Há coisas que não gosto de falar. Nem de partilhar. Porque trazem á superfície da pele memórias estranhas e confusas que preferia não reviver. Mas hoje aconteceu. Voltei á escola. De uma outra forma.
Não sou professora. Talvez gostasse de ter sido. Pelas mais diversas razões ou tão somente por uma que me atravessa o espírito de quando a quando. Para me vingar. Não dos professores, propriamente ditos. Tive-os bons, maus e medíocres.
A minha ideia de vingança é qualquer coisa de pessoal. De coisas que se aprendem a perdoar, mas que, ainda assim, não se esquecem. Assim se eu tivesse escolhido ser professora, vingava-me dos alunos. Daqueles seres que destroem a ilusão açucarada que a infância e a adolescência são apenas os verdes anos em que todas as coisas são fáceis. E não são.
São os tempos em que as primeiras feridas nos ficam a habitar permanentemente. Perdem-se as primeiras batalhas e há bocados de nós que ficam naquelas trincheiras. Aprendemos a reconhecer a crueldade, o preconceito, o desprezo, a diferença e a ignorância nos olhares alheios. Aprendemos a construir muralhas e a soprar nos intervalos das aulas, castelos de areia temporários. Mas para quê?
Eu preferia estar com aquele grupinho a saltar ao elástico ou a discutir o último episódio dos "Morangos".
Mas estou aqui, sentada no banco de madeira, a observá-las. A tentar não ouvir os seus risinhos e comentários maldosos, a tentar não sentir os seus olhares penetrantes. Eu estou aqui. Nos meus dourados verdes anos, apenas a aprender que o que não nos mata, torna-nos mais forte.
O remédio para o "bulling" começa em casa. Na formação que não se dá aos filhos. Estende-se depois para os professores que não tem tempo, nem paciência, nem condições, nem dinheiro, nem motivação, nem qualquer outra coisa, para poder explicar a esses miúdos que é errado e cruel deixar meninos e meninas no pátio a aprenderem sozinhos, e á sua custa, que o que não nos mata, torna-nos apenas mais forte, mesmo quando se preferia não saber nada disso e ser apenas igual aos outros.
"Eu queria apenas ser igual. Igual á Mariana ou á Inês, por quem todos os rapazes da turma se apaixonaram este ano. Ou então ser tão inteligente como a Ana, que é sempre tão segura de si e não dá confianças a ninguém. Só não gosto de ser como sou. Porque todos me olham e me gozam diariamente. Ninguém quer brincar comigo. Ou sequer me convidam para os trabalhos de grupo. Sou só eu e eu sozinha. Por isso queria ser igual. Até pode ser á Tânia que é má e de que ninguém gosta, mas que todos convidam para tudo. Porque tem medo dela. Eu quero apenas ser igual a alguém. Para que não se riam de mim. Peço desculpa por ser assim, mas não sei ser diferente. "
(excerto de uma redacção de uma aluna do sétimo ano, com o título "Carta aberta ao Pai Natal")
4 comentários:
todos nós temos silêncios que não se dizem...porque não queremos, porque não conseguimos, porque não podemos... e às vezes saem-nos assim em jeito de oração-pedido-desejo, baixinho como se tivessemos medo de o dizer...
bjinho*
Sofia
onde andas, pequenina-grande? *
Interrogo-me, também eu (como "cátiab") por onde andará esta (saudosa!) "Gazela" de verbo fácil e presença fugitiva, este "dulcíssimo milhafre ferido na asa", como na imagem verbal famosa de um Porto que ela adora...
Começa a intrigar-me (e a deixar-me apreensivo...) a ausência.
Vê lá mas é se "apareces", miúda!...
deixei-te uma referência no meu espaço
bjs c saudades
Sofia*
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