A chuva pingava nos vidros. Os outros, os amigos, lá atrás iam aos poucos adormecendo ao som do cansaço de mais uma viagem e de mais uma passagem de ano. Os kilómetros de estrada passavam por nós indiferentes. E nós, por eles, ainda mais indiferentes, serenos e certos do nosso destino. Tão calculado e quase tão previsivél que nada podia alterar aquela ordem das coisas.
Numa população qualquer estivemos parados imenso tempo à espera que um rebanho de ovelhas resolvesse acabar de passar a estrada. E nesse pequenino espaço de tempo, tudo se comprometeu, tudo se alterou. Eles dormiam embalados pelas brincadeiras, pelo alcóol e pelos sonhos. Nós acabávamos de acordar. Devagar. A custo. Como se cada gesto nos magoasse e nos fosse doloroso. Tínhamos medo. Mas também tínhamos tempo. O rebanho era grande. Elas eram lentas. E chovia. Eles dormiam.
Eu fui a primeira a descer neste lento regresso a casa. Já não chovia. Já não havia rebanhos e eles já tinham acordado. Mas nós ainda nos tínhamos. Com um beijo que não chegou a acontecer, mas que ficou preso nos cantos dos nossos lábios. Como uma promessa. À espera de uma outra viagem. De outro rebanho e de uma outra chuva.
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