segunda-feira, agosto 25, 2008

do que não gosto de falar

Há coisas que não gosto de falar. Nem de partilhar. Porque trazem á superfície da pele memórias estranhas e confusas que preferia não reviver. Mas hoje aconteceu. Voltei á escola. De uma outra forma.
Não sou professora. Talvez gostasse de ter sido. Pelas mais diversas razões ou tão somente por uma que me atravessa o espírito de quando a quando. Para me vingar. Não dos professores, propriamente ditos. Tive-os bons, maus e medíocres.
A minha ideia de vingança é qualquer coisa de pessoal. De coisas que se aprendem a perdoar, mas que, ainda assim, não se esquecem. Assim se eu tivesse escolhido ser professora, vingava-me dos alunos. Daqueles seres que destroem a ilusão açucarada que a infância e a adolescência são apenas os verdes anos em que todas as coisas são fáceis. E não são.
São os tempos em que as primeiras feridas nos ficam a habitar permanentemente. Perdem-se as primeiras batalhas e há bocados de nós que ficam naquelas trincheiras. Aprendemos a reconhecer a crueldade, o preconceito, o desprezo, a diferença e a ignorância nos olhares alheios. Aprendemos a construir muralhas e a soprar nos intervalos das aulas, castelos de areia temporários. Mas para quê?
Eu preferia estar com aquele grupinho a saltar ao elástico ou a discutir o último episódio dos "Morangos".
Mas estou aqui, sentada no banco de madeira, a observá-las. A tentar não ouvir os seus risinhos e comentários maldosos, a tentar não sentir os seus olhares penetrantes. Eu estou aqui. Nos meus dourados verdes anos, apenas a aprender que o que não nos mata, torna-nos mais forte.
O remédio para o "bulling" começa em casa. Na formação que não se dá aos filhos. Estende-se depois para os professores que não tem tempo, nem paciência, nem condições, nem dinheiro, nem motivação, nem qualquer outra coisa, para poder explicar a esses miúdos que é errado e cruel deixar meninos e meninas no pátio a aprenderem sozinhos, e á sua custa, que o que não nos mata, torna-nos apenas mais forte, mesmo quando se preferia não saber nada disso e ser apenas igual aos outros.
"Eu queria apenas ser igual. Igual á Mariana ou á Inês, por quem todos os rapazes da turma se apaixonaram este ano. Ou então ser tão inteligente como a Ana, que é sempre tão segura de si e não dá confianças a ninguém. Só não gosto de ser como sou. Porque todos me olham e me gozam diariamente. Ninguém quer brincar comigo. Ou sequer me convidam para os trabalhos de grupo. Sou só eu e eu sozinha. Por isso queria ser igual. Até pode ser á Tânia que é má e de que ninguém gosta, mas que todos convidam para tudo. Porque tem medo dela. Eu quero apenas ser igual a alguém. Para que não se riam de mim. Peço desculpa por ser assim, mas não sei ser diferente. "
(excerto de uma redacção de uma aluna do sétimo ano, com o título "Carta aberta ao Pai Natal")

terça-feira, agosto 19, 2008

Só sangue

Choro, mas não grito a dor. Quero parar, mas não sei com o quê. Quero seguir em frente, mas há peso morto a ser carregado por entre o meu corpo. Lágrimas secas que não se dissolvem na pele. Apenas a secam. Irremediavelmente.
Há estilhaços de ti que ainda não cuspi. Tu, aos pedaços, em bocaditos que se enredam nas minhas vísceras e se deixam ficar. Como se afinal pudesses fazer parte de mim. Ainda que...


Dizem que me matas por dentro. Ainda estarás viva?

Só sou sangue. O que ficou depois de ti.