sexta-feira, outubro 27, 2006

Fechar os olhos

00:30
Apaga a luz. Tenho sono. Deixa-me dormir. Hoje o dia foi mau. Não, sabes bem que não a esta hora não quero ler, só dormir, importas-te?


00: 32
Sei lá, se estou a ser intransigente, a esta hora podia ser tudo, até o detergente para a máquina. Esse mesmo aquele que te esqueceste de comprar. Amanhã não tenho a camisa azul lavada por tua causa.


00: 35
‘tá bem! Também não quero discutir, só dormir. Apagas a luz?! Quero fechar os olhos. E sonhar.


00: 38
Com quem? Sei lá. Com quem. É quase uma da manhã, e perguntas-me com quem é que eu quero sonhar? Olha quero sonhar que estou a dormir, serve-te a resposta?


00: 42
Queres fazer o quê?! Uma reflexão sobre o nosso casamento? A esta hora, desculpa mas é impossível. Sei lá, se é o nosso casamento que me dá sono, talvez sejas tu, o coitado do casamento não é para aqui chamado.


00: 46
Gosto, gosto muito de ti, vou gostar ainda mais amanhã, se hoje puder fechar os olhos e esquecer-te por algumas horas.


00: 48
Estou cansado, vê se entendes, quero dormir. Também devias dormir, fazia-te bem à pele, amanhã parecerás outra mulher.


00: 53
Claro que não, não estou farto da tua pele, ou do teu corpo, é igual ao de antes, melhor, pronto, as plásticas e os cremes fizeram-te bem. És linda, olha mais bonita ainda do que aquela modelo que apresenta o programa da tarde.


00: 55
Não, não estou a mentir. Era lá capaz disso, a esta hora...


01:00
Fecho finalmente os olhos. Boa noite. Também te amo...

domingo, outubro 15, 2006

aperta-me contra ti.

Aperta-me contra ti.


A mão primeiro, claro. Porque não nos conhecemos. E talvez sim. Posso querer-te conhecer. Se melhor ainda não sei. Mas também há tanta coisa que não sabemos um sobre o outro. Não sabes o que é essa marca de aliança no meu dedo. Nem sei porque tens as unhas roídas. Não sabes porque quero que o aperto seja breve e seco. Não sei porque é a tua mão ainda agarra a minha. Não sei porque gosto desse teu aperto de mão.


Aperta-me contra ti.


Um abraço. Agora acho que sim. Já podemos dar um abraço. Assim posso deixar o velho hábito de me abraçar a mim mesma quando estou triste. Os teus ombros podem esmagar os meus. Quebra nozes em tom de abraço. Talvez discretamente as tuas mãos possam acariciar as minhas costas. Talvez as faces se toquem. Talvez seja um abraço demorado. Silencioso. Para que as palavras possam ficar apertadas entre nós. Sem que caiam cá fora. E se magoem.


Aperta-me contra ti.


Um beijo. Sim. Treinei-os no espelho da casa de banho. Em miúda como todos já fizeram. Porquê a surpresa? Beijo lento, encantador, desejo apertado nos lábios. Quero-te já não escondo. A mão apertada na minha porque às vezes tudo dói demais. O abraço onde me posso esconder. O beijo onde me perco.


Aperta-me contra ti.


O corpo. todo. As mãos. Os braços. A língua. As pernas. Os cabelos entrelaçados que se perdem na almofada. Devia dizer-te qualquer coisa aqui. Deveria parar esta engrenagem e dizer-te amo-te ou coisa do género bonita como no filmes. Penso só. Não consigo falar. fazia por ti qualquer coisa que me pedisses. pelo desespero do teu corpo que é só carne apertada dentro de mim. Fazia tudo. Quase tudo emendo mentalmente. A aliança ainda me aperta….



*Texto publicado no dnjovem versão net



segunda-feira, outubro 09, 2006

o amor

porque acabamos sempre a falar dele. com ele. ou por causa dele. o amor é uma merda. o amor é fodido. o amor é apenas o que é. inevitavél. absoluto. definitivo. imenso. nosso. intímo. às vezes demasiado intrasmissivél. o amor pode ser tudo isto. num beijo prolongado. num olhar que se fixa. na palavra. no gesto. num silêncio de sorrisos. pode não ser nada disto. não sei. nem sei mesmo se quero saber. para mim é o que é. dói o que dói. e vale sempre a pena vivê-lo. em absoluto.

domingo, outubro 01, 2006

a declaração de amor. ou talvez não.

Deixa-me aproveitar que estou sob o efeito do vinho para te poder dizer tudo aquilo que me ficou entalado na garganta e que só nunca te disse porque não o permitiste. Contigo, não posso ser acusada de falta de frontalidade. Sempre tive coragem ou estupidez aguda para dizer que gostava de ti. Para dizer que te desejava. E no fim, hoje, para dizer que te amei. Que sim, que foste o meu primeiro amor. Que tudo aquilo em que a nossa relação se tornou foram um conjunto de erros. A bola de neve que não parou de rolar. Há dias, em que sim, em que quase vejo em ti aquilo que vês em mim. Há dias, minutos em que te olho e vejo só um homem. Há outros em que vejo um amor. Há outros em que me pergunto como pude ser tão teimosa. Há outros em que olho apenas para mim mesma e me pergunto se tudo isto valeu a pena. Se tantas noites, tantas humilhações, tantos erros, valeram a pena. Tenho a certeza que sim. Por mim. Porque à força de inúmeras lágrimas me demonstraste qual é a beleza do amor. O esperar à janela pelo o que nunca vem e ao mesmo tempo guardar a esperança que um dia há-de vir. D. Sebastião, num dia de nevoeiro, arrancando-me aos laços em que me prendi. Desapertando-me os nós que me ligam a ti. Absolutos e por vezes tão assustadoramente definitivos. É esse o amor. que já não me liga a ti. mas um outro. pelo qual já não esperava. mas apareceu-me e soube-me encontrar. já não sentada à tua espera. mas à espera de mim mesma. ainda cá estás. mas do outro lado da linha. é bom acenar-te e saber que já partiste. quem sabe se para sempre. amor teu. para sempre. ou talvez não.