terça-feira, novembro 28, 2006

quase, quase

a atingir a idade mítica em que depois disto já não dá vontade de ver o tempo a passar no relógio. as contas são outras e as horas são assaltos disfarçados aos dias que correm cada vez mais depressa.e já não esperam como esperavam dantes.
dantes quando me podia sentar no colo de alguém.
dantes quando alguém me vigiava o sono.
dantes quando alguém me prometia que eu era uma princesa e que iria ser feliz para sempre. dantes quando perdia horas a falar ao telefone com as amigas sobre coisa nenhuma.
dantes quando sonhava que se podia mudar o mundo.
dantes quando acreditava que o mundo era a casa, o bairro, a cidade, o país.
dantes quando eu podia segurar a mão de alguém e me sentir segura.
dantes quando o meu medo eram os papões.
dantes quando todas as minhas feridas se curavam com álcool.
dantes quando bastava a mão na minha testa para todas as dores passarem.
dantes quando não sentia saudades.
dantes quando as histórias me embalavam.
dantes quando os meus mortos eram vivos.
dantes quando eu não pensava. não sentia o tempo a passar.
dantes... foi já há muito tempo. longe demais.

quando as luzes se apagam

fica só a luz das velas. o vinho nos copos, o eco dos risos durante o jantar, as marcas do sorriso no rosto. fica o resto de tudo o que se disse. o silêncio do carinho quando os teus braços me envolvem num longo abraço. ficam os beijos ténues que depositas no meu rosto e nas minhas mãos. como quem diz que o amor pode ser isto. ou que o amor deveria ser isto.
quando as luzes se apagam... apetece recolher-me nos teus baços e não ser ninguém. esquecer-me de ser gente. de ser alma, coração ou pele. apetece-me morrer em ti.
e assim que as palavras acontecerem na minha boca, vou dizer-te que é do vinho, quando os meus lábios tocarem os teus, vou dizer-te que é de carinho, quando as mão se procurarem, vou-te falar inevitavelmente da solidão. quando as luzes se apagarem, vou-te falar de nós.

domingo, novembro 19, 2006

casamento

ver-te no altar. depois de tudo. ver-te a colocar a aliança. a sorrir. feliz. o dia era teu. a festa também. susti as lágrimas o mais que pude. mas mais do que te ver partir doeu saber que crescemos. nada mais volta a ser igual. nem as brincadeiras, os segredos, ou as guerras de almofadas. mudou tudo. hoje já não tenho medo que caias da árvore e partas uma perna, hoje tenho apenas medo de não te ver sorrir.

sexta-feira, novembro 10, 2006


Tens agora a mão fechada;

no rosto, nenhum fulgor.

Não foi nada, não foi nada:

podia ter sido amor.

* o poema é de David Mourão Ferreira. O quadro é de Dali. o momento é meu porque não pode mesmo ser teu.

sábado, novembro 04, 2006

hoje

Hoje escrevo apenas para me ler. Para me tentar lembrar de quem sou. do que fui. leio-me nas entrelinhas de parágrafos passados e tento encaixar-me ali. eu que já fui aquilo tudo. já senti mesmo aquilo tudo. e tudo aquilo já acabou. porque o tempo passou.
ainda acho que escrevi demais. que fui coisas demais no tempo que se esgotou hoje. cristalizei-me no gelo dos afectos. porque não sei escrever-me. hoje. tão só. tão eu. tão demais. avanço por dentro de mim. no espelho dos laços. toco-me para ter a certeza de que sou eu. já não sei escrever-me. já não sei ser eu.