Um pouco de silêncio. Um espelho. Uma parede para me encostar e poder escorregar. Até ficar sentada no chão. De joelhos flectidos. Sim, sei que a saia vai ficar desalinhada. Dá-me dez minutos assim. Para mim. Em que eu possa ser, desesperadamente, eu. Ou uma outra qualquer. Às tantas uma pessoa cansa-se de ser sempre a mesma.
Nove minutos.
E quero mudar. De corpo, de coração e até talvez de alma.
Descalço os sapatos. Deixo que as meias finas de vidro pisem a tijoleira fria e barata. Do outro lado desta porta feita de chapa de alumínio, ouço vozes e pancadas na porta. Perguntam: está aí alguém? estou, respondo a meia voz. E sim, estou deveras ocupada.
Oito minutos.
Isto é uma casa de banho pública. Num café qualquer. Nesta ou noutra cidade. Pouco importa.
Solto os cabelos e desaperto o blaser preto. Tiro as argolas e observo o anel de brilhantes que cai dos meus dedos.
Os botões pequenos da camisa branca são arrancados depressa. Depressa, porque não quero pensar. É a velocidade do contra-relógio. A urgência do momento. A intensidade do grito que calo diariamente.
Seis minutos.
Os meus dedos afagam a suavidade do cetim. Acaricio as alças do soutien, fazendo-as deslizar através do braço. Lentamente. Tenho saudades. Tenho sede. Tenho um medo imenso. Abraço-me com força. Preciso de me fazer sentir quente. Carne minha. Crua de ti. Tijoleira fria.
Cinco minutos.
Fecho os olhos e aquieto-me no reflexo imaginário deste corpo despido. O meu corpo, relembro-me.
Sinto-me embalada pela letargia morna do desejo. Sou só eu. Embalada neste torpor de prazer roubado. Ao espelho.
Dois minutos.
Retoco o cabelo e apanho as últimas madeixas num penteado perfeito. Esta sou eu. Um pouco sozinha. Emoldurada na tela do tempo.
Um minuto.
Já vou, respondo a alguém que bate insistentemente. Passaram dez minutos. De mim.