quarta-feira, novembro 26, 2014

«Viver não é difícil, difícil é saber viver.»

«Viver não é difícil, difícil é saber viver.»

Ela não sabia nenhuma destas coisas, concluiu. Tinha sempre dúvidas. Nas aulas, antes dos testes, levantava vezes sem conta o dedo com tortuosas questões e hipotéticos cenários. «E se…?» Depois da terceira pergunta já feita com algum estrondo, os professores respondiam com evasivas ou então fingiam não ouvir as suas interrogações impertinentes.

De manhã, em frente ao espelho, questiona-se se aplica rimmel e eyeliner ou só baton ou tudo junto. Ou nada disto. Um vestido pelo joelho ou calças pretas, sapatos de salto alto, ou botas de cano alto.

Ele irá telefonar esta noite?

Não sabe interromper, para dizer que é a sua vez na fila. Que quer atenção. O volume da sua voz vai deflectindo até se transformar num lamento irreflectido e incómodo. Pede que gostem dela. 
Por favor. Obrigada, agradece sempre no final.

Ele irá telefonar esta noite?

Se o amor puder ser uma comodidade atingível, por favor, não o lho digam. A condição de o abismo ser o limite transponível é a mecânica do seu boneco.

Ele irá telefonar esta noite?


Definitivamente, não tem vocação para saber viver. 
Com a palma das mãos tapa os ouvidos até que a voz dos outros deixe de ser ruído e consiga encontrar apenas a sua. E se remende sozinha.