«Viver não é difícil, difícil é saber
viver.»
Ela não sabia nenhuma destas coisas,
concluiu. Tinha sempre dúvidas. Nas aulas, antes dos testes, levantava vezes sem
conta o dedo com tortuosas questões e hipotéticos cenários. «E se…?» Depois da
terceira pergunta já feita com algum estrondo, os professores respondiam com
evasivas ou então fingiam não ouvir as suas interrogações impertinentes.
De manhã, em frente ao espelho,
questiona-se se aplica rimmel e eyeliner ou só baton ou tudo junto. Ou nada disto.
Um vestido pelo joelho ou calças pretas, sapatos de salto alto, ou botas
de cano alto.
Ele irá telefonar esta noite?
Não sabe interromper, para dizer que é a
sua vez na fila. Que quer atenção. O volume da sua voz vai deflectindo até se
transformar num lamento irreflectido e incómodo. Pede que gostem dela.
Por favor. Obrigada, agradece sempre no final.
Por favor. Obrigada, agradece sempre no final.
Ele irá telefonar esta noite?
Se o amor puder ser uma comodidade
atingível, por favor, não o lho digam. A condição de o abismo ser o limite
transponível é a mecânica do seu boneco.
Ele irá telefonar esta noite?
Definitivamente, não tem vocação para saber viver.
Com a palma das mãos tapa os ouvidos até
que a voz dos outros deixe de ser ruído e consiga encontrar apenas a sua. E se
remende sozinha.