quarta-feira, fevereiro 23, 2005

de fora

ficaste de fora do jogo porque os outros não te deixaram brincar com eles. eras diferente e disso eles não gostavam. ficaste então sentado ao meu lado no banco, vendo os outros meninos brincarem. rias com as quedas e sofrias com os golos que a tua equipa não marcava. vibravas com eles. mesmo sentado ao meu lado. com as bochechas vermelhas. emocionado e frustrado. quis-te abraçar. dizer-te que um dia essas dores iriam passar. mas não vão, meu querido. o que é diferente custa muito a ser aceite pelos outros. mesmo que em ti, as emoções sejam iguais aos demais, mesmo que sejas tão ou mais inteligente que os outros, mesmo que a tua história se possa confundir com a deles, eu sei que vai ser sempre diferente. Por isso não te posso abraçar agora. tenho de te deixar começar a a habituar ao olhar e à estupidez humana. porque isso como o resto faz parte do que será o teu mundo.
desculpa, não te posso mesmo abraçar. estás de fora.

sábado, fevereiro 19, 2005

passageiros

entram. acumulam-se. pequeninos. disfarçam-se de gente pequena e encaixam-se uns nos outros. como se fizessem realmente parte uns dos outros. uma massa estranha que se olha mas não se vê. que repara no mais pequeno pormenor do outro e faz disso o seu mundo até à próxima paragem. um sorriso. depois da próxima. o teu olhar ficou preso no meu. e não te conheço. nunca o vou conhecer. Lês a revista das novelas, e de vez em quando fechas os olhos. podias ser minha mão. com um pouco mais de pintura na cara, outras roupas e o cabelo pintado, podias ser a minha mãe. ou a Zulmira, a empregada lá de casa. és tão parecida com ela. as mesmas varizes nas pernas. o desmazelo nas roupas e o ar sonhador com que lê a revista das novelas.
Sorris-me. Podias mesmo ser a Zulmira. E nunca a minha mãe. Ela não sorri assim...

segunda-feira, fevereiro 14, 2005

prometo

cuidar mais de mim. olhar-me mais vezes ao espelho e perceber que afinal também as lágrimas e os sorrisos fazem parte do meu rosto. prometo olhar mais vezes para as minhas mãos e perceber se elas afinal ficam bem entrelaçadas com as tuas ou não. prometo tocar-me mais vezes para sentir a minha pele quente à espera da tua. prometo falar menos de tudo e de nada e falar apenas de ti. prometo ir mais vezes ao cinema, dispensar as pipocas, ficar atenta ao filme e, depois contigo, dissertar sobre ele. prometo que te vou mandar mensagens. prometo que vou tentar que faças parte da minha vida. prometo que vou arriscar. prometo que não vou ter medo do escuro. prometo que o sofá e as músicas melancólicas vão deixar de fazer parte dos meus dias. prometo.



E prometo também que vou cuidar mais deste meu Luar...

sexta-feira, fevereiro 04, 2005

corpos

o teu corpo compreende o meu. sabe quando é preciso um beijo mais prolongado no pescoço quase a beirar a orelha ( a direita, eu sei que já decoraste). sabe que preciso de um abraço raramente. mas sabe que preciso de o sentir a deleitar-se com o meu toque às vezes tão duro e tão exigente que não pareço eu. mas sou. e só o teu corpo sabe disso. dessa violência desprovida das sensibilidades a que todos se habituaram a esperar de mim. o teu corpo sabe como posso ser má. como posso querer que sejas mau. ou rápido. devagar como quem percorre uma estrada sem pressa de chegar. o teu corpo. marinheiro de tantos portos. e agora tão meu. preso à minha cama. de olhar vendado pelo lenço azul. e untado de mim.