quarta-feira, julho 30, 2014
Por todos os nomes
É verão. Apesar disso, a água quente escalda-me as costas. E quase imita um abraço. Possa ser isto o resumo desta história. A despedida concentrada em palavras nas quais falta quase tudo; a explicação, o sentido do fim, a valência dos dias por vir.
Corrigem-me as palavras e as posição perante a câmara. Dizem-me que deveria dizer isto; para ajudar outras mães, outras famílias, que como eu, tem nomes de filhos e familiares inscritos em manifestos de voos que não chegaram aos seus destinos. Não pensar naquilo. Nas caixas negras que poderão dizer o que te aconteceu. Ou não dizer nada. E ser tudo, um silêncio impenetrável para sempre. Dizem-me que tenho de voltar a mim. Viver novamente. Aprender tudo outra vez. A gostar do sabor das coisas. Como antigamente, quando existias e eu podia esticar a mão e saber que o teu dedo mindinho ia agarrar o meu.
Não se esquece porque se perde alguém. São partes de nós que abandonamos na estrada. O sangue que se alimentou. As células que criámos corpo a corpo na rotina dos sonhos, das discussões e dos pormenores que não retivemos.
Não perdoo a fugacidade dos afectos. E ainda assim, isso de nada adianta ao mundo. Ele continua a girar. Impassível perante a tua morte. És só mais um. E meu, tão meu no pequeno gesto de te recordar.
No lugar dos misseis, há o restolho de palavras de ódio que incendeiam outras explosões de guerra entre pessoas que só conheço da televisão. Dizem que o avião caiu, abatido, por um erro de cálculo. Culpabilizam países com base em evntuais teorias da conspiração para comprar armas e amealhar (ainda) mais dinheiro e poder.
Não estás cá para documentar o rosto dos que fogem, dos que agridem e dos que mentem. Eu fiquei. E, hoje perante a tua câmara de filmar, não dizendo o teu nome, não mostrando o teu rosto, falo-lhes dos seus mísseis, dos seus erros e de um nosso «nós» que se acabou, meu filho.
Não preciso de dizer mais nada, se disser apenas voo MH17. Amesterdão- Kuala Lumpur.
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