terça-feira, setembro 09, 2003

Casas comigo?

À noitinha, na janela do nosso quarto, enquanto nos deliciávamos com as refeições de sempre (milho cozido com atum ou ovos estrelados e salsichas fritas), pediste-me:
“Casa comigo.” Lembro-me de olhar para os nossos pratos, de sorrir e de achar que sim, que poderíamos comer milho com atum para sempre, que o nosso T1, mal encaixado num dormitório de um subúrbio de Lisboa seria a sempre a casa dos nossos sonhos. Lembro-me de olhar para noite fria e escura e de achar que sim, que os teus braços poderiam ser sempre o meu porto-de-abrigo depois de horas de pé, amachucada nos transportes públicos. Lembro-me de achar que sim, que poderíamos ser felizes para sempre. Lembro-me de achar que sim e responder-te: “Agora não... mais tarde, meu amor.” E depois presentear-te com um beijo, como se fosse uma promessa, acreditaste tu. Como se fosse um pedido de desculpa, senti eu. E era, sabes, desculpa por te feito acreditado em outro tempo. Agora não... mais tarde.
Mais tarde, meu amor, quando eu me conseguir respeitar. Nesse dia maravilhoso em que deixarei de me violar por qualquer migalha de afecto. Quando deixar de depender do amor dos outros, para me amar.
Mais tarde quando eu me libertar de mim mesma. Da minha solidão, das noites de insónia em que ficava a ver-te dormir ali ao meu lado, seguro que de manhã, eu continuaria ali, acreditando, ou fingindo acreditar que eu, por mais tarde que fosse, casaria contigo.
Um dia, deixei-te ir. Libertei-te das amarras que te prendiam à nosso T1, ao milho com atum e a mim
Soube que casaste. Imagino que devas ser feliz. Que tenhas trocado o nosso T1 por uma vivenda em Sintra (o nosso sonho, lembras-te?!), que comas caviar em vez de atum, e imagino que já nem sequer te lembres de mim.
Eu continuo a ver a noite da mesma janela. A comer milho com atum. E hoje sei que esse mais tarde ainda poderia existir. Marco o teu número de telefone vezes sem conta. Falta a coragem de te pedir o que outrora me pediste sem medo e com olhar repleto de esperança. Essa mesma a que te roubei e troquei por um punhado de amor por mim mesma.
Atendes com uma voz ensonada. E, tremendo, como na primeira vez em que te pedi um beijo, em soluços, lá pergunto: Casas comigo?
A resposta pareceu-me absurda e impossível. Afinal não eras tão feliz como eu imaginava e o meu beijo, acreditaste sempre, que seria uma promessa. Foi-o. É-o. Milho com atum, respondeste tu.

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