“Tão bonita, estás tão bonita hoje”.A música entra no ouvido e lá fica a frase na cabeça a martelar continuamente. Linda. Simples, discreta, quase sem maquilhagem, quase sem acessórios. Altiva. Bonita. Tão bonita, como na música.
O espelho devolve-lhe a imagem dessa beleza etérea, vaga e suspensa por suspiros mediante a eterna insatisfação de si mesma. O som da música invade-a. O corpo aceitou a melodia e os seus passos acompanham o compasso. Não há nada a fazer. Incrivelmente vaidosa. É um pecado. Sabe-o bem... mas hoje, só hoje... permite-se sentir-se assim. Bonita...
Sozinha também. À espera. Prometeu vir buscá-la há mais de duas horas atrás e está atrasado. Chegará cheio de desculpas inventadas à pressão e um ramo de rosas na outra mão mão, ela adivinha. Foi já assim tantas vezes. E ela conhece-o tão bem! Talvez por isso, hoje ela quer, desesperadamente, que ele chegue mais depressa. Para beleza que hoje a inundou não fuja ou se quebre. Ela quer que ele veja a onda de luz que se apoderou dela e ouça no eco dos seus beijos, a canção que lhe martela os ouvidos: “Tão bonita, estás tão bonita hoje”.
Ele não vem. Não costuma atrasar-se tanto. Virá? Os olhos começam-se a fechar com o cansaço. A beleza ameaça fugir. A maquilhagem esborrata-se pela face e o lindo vestido amorrata-se e rasga-se. “Tão bonita, estás tão bonita hoje”. A música, refrão repetido vezes sem conta no gira-discos e as olhadelas ao espelho, começam a perder todo o sentido. Que sentido tem a beleza, se ninguém além de nós, a puder ver? Para ela, ser bonita só fazia sentido para ela em primeiro lugar e depois para ele. “Tão bonita, estás tão bonita hoje”.
Agora já não é bonita. Porque ele já não vem. Contudo soam ainda os acordes da música e a letra continua no ouvido como se se tratasse de uma lenga-lenga, que de repente num acidente estúpido na estrada, se transformou numa marcha fúnebre. “Tão bonita, estás tão bonita hoje”.
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