O mundo tem uma dívida comigo. Uma dívida de amor, como me disse a minha psicóloga. Talvez ela tenha razão, no que diz respeito à dívida, mas não é com o mundo. É contigo.
Desde bebé, habituei-me a não acreditar nas palavras, nas minhas e sobretudo nas dos outros. Tudo isto tem uma explicação. Quando disse a minha primeira palavra, tu tinhas acabado de sair de casa. E eu precisava de alguém que me sorrisse, me pegasse ao colo e ficasse feliz por mim. Não tive nada disso. Ninguém se apercebeu de que eu tinha chamado por ti. Ao fim de uns poucos anos deixei de chamar. Percebi que não valia a pena. Pai, era apenas uma palavra sem significado, como tantas outras que fui aprendendo ao longo destes anos. Mãe, confesso que também já me disse mais. Um dia, há pouquíssimos anos, disse-me quase tudo, disse-me que era altura de desistir dela e deixá-la viver. Deixei-a viver o suficiente, para ela num dia lindo de Primavera, se suicidar. Ao princípio, pensei que fosse ironia, a Primavera, é a altura, onde tudo nasce. E ela morria. Descobri que não era ironia, era a altura propícia para ela renascer, num outro sítio. Onde e quando, não sei. E penso, sinceramente, que não quero saber. Prefiro agarrar-me a esta ideia de continuação e de renovação. Nada se perde, tudo se transforma.
Transformei a minha raiva em palavras, nas quais alguém acredita. Eu vou acreditando com o passar dos dias. Afinal uma mentira tantas vezes dita, torna-se verdade, ao fim de uns tempos...
Não ter pai, foi sempre a mentira, que me fizeram acreditar, hoje sei que é a verdade, com a qual tenho de conviver diariamente. Já sem medo. Quase sem dor.